Scarlett e OpenAI: afinal, voz é uma propriedade intelectual?

De acordo com especialistas, caso envolvendo a atriz e a dona do ChatGPT reforça que regulação e direitos devem ser discutidos junto com o avanço da inteligência artificial

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Reprodução: Forbes |Na semana passada, após a atriz Scarlett Johansson dizer estar chocada ao reconhecer sua voz na assistente de IA “Sky”, desenvolvida pela OpenAI e inspirada no filme Her, esse tema voltou a ser discutido: violação de propriedade intelectual em tempos de IA


A voz é uma propriedade intelectual? E como se prova ou se garante uma eventual violação? Em tempos de inteligência artificial, esse questionamento tornou-se ainda mais evidente.


Na semana passada, após a atriz Scarlett Johansson dizer estar chocada ao reconhecer sua voz na assistente de IA “Sky”, desenvolvida pela OpenAI e inspirada no filme Her, esse tema voltou a ser discutido: violação de propriedade intelectual em tempos de IA. 

“Em setembro de 2023, recebi uma proposta de Sam Altman para ser a voz do sistema ChatGPT 4.0. Ele disse que minha voz poderia facilitar a aproximação entre o público e as empresas de tecnologia. Depois de considerar, decidi recusar a oferta por motivos pessoais”, disse a atriz em suas redes. A empresa retirou a voz da Sky do ar após a acusação.


Em entrevista à Forbes Brasil, Paula Vergueiro, presidente da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ, destacou que esse é “mais um caso de absoluta falta de transparência no desenvolvimento de IA”.


“No caso do uso sem consentimento da voz da atriz Scarlett Johansson, a violação ocorreu diretamente a um direito da personalidade. A voz humana, nos diferentes sistemas legislativos dos países, é protegida pelos direitos da personalidade, que tratam também do direito à imagem. Como no mundo do entretenimento os direitos da personalidade e os direitos de propriedade intelectual (que abrangem os direitos autorais) são áreas correlatas, extremamente interligadas, é normal nos referirmos indistintamente às duas categorias de direitos, até mesmo com certa confusão”, explica Paula.


Bruno D’Angelo, fundador da startup WIP, desenvolvedora de negócios de entretenimento, explica que 

“Hollywood é uma cidade de advogados basicamente, e como qualquer caso de infração de uso de imagem (ou som) o processo vai ser grande baseado em valores de cachês da atriz, impacto, quantidade de uso (visualizações) e claro, oportunidades perdidas pela atriz.”


Sobre a complexidade do caso, Bruno explica que é grande, 

“porque a tese de que você é dono da sua voz – não do que você falou e foi gravado – mas o tom específico da sua voz, entonação, sotaque e cacoetes é fraca, talvez não haja ainda uma jurisprudência para tal.”


“Quem é o dono do som – não da música tocada – do “oboé”? O dono da fábrica, o músico que o toca ou o “inventor” do instrumento? O que for decidido nesse julgamento, se vier a acontecer, pode dar o tom do uso de AI pro futuro. Temos que, como sociedade e indústria, ficar atentos e debater estes assuntos com cautela e atenção. Não com pânico, mas com visão de possíveis impactos que ainda não foram contabilizados.”


Bruno reforça que o tema já é discutido há anos na indústria. 

“Já estão sofrendo, muitas empresas estão usando AI para dublagem, tradução simultânea e até para músicas – não é possível julgá-las. A Scarlet é um caso raríssimo, mas pode ajudar a criar alguma forma de proteção para alguns tipos de atuação no mercado, mas ao que me parece – do que tenho visto no mundo – o bonde da dublagem já partiu em trem bala.


João Paulo Alqueires, Cientista da Computação com formação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e extensão em Machine Learning pelo MIT, explica que a voz se torna uma propriedade intelectual no momento em que existe a associação intencional dela com um artista ou personagem. 

“Atributos de voz, inflexão, trejeitos não podem ser caracterizados como propriedade de uma pessoa, seja ela uma celebridade ou um personagem. A propriedade intelectual é sobre a obra, acredito.”


“Ao se avaliar uma situação de possível infringimento de propriedade intelectual nesta nova área de IA e deepfakes deve-se ter em mente primeiramente quaisquer elementos maliciosos usados pelo autor, que pode intencionalmente se aproveitar da notoriedade de uma pessoa para reproduzir sua voz de forma não autorizado”, completa João.


*Forbes