Vítima do comunismo durante décadas, o Leste europeu naturalmente rejeita fortemente essa ideologia – no caso da Ucrânia, esse repúdio é ainda mais destacado, com uma das legislações anticomunistas mais severas do mundo.
Em 2015, o parlamento ucraniano aprovou uma lei que proíbe a divulgação de conteúdos apoiando o comunismo e o nazismo, a negação pública do caráter criminoso desses regimes e o uso de seus símbolos, além de outra lei que legalizou as organizações políticas e paramilitares que enfrentaram o regime soviético durante a Segunda Guerra Mundial.
Com base nessa legislação, a Ucrânia proibiu as atividades de partidos comunistas no país e passou a demolir monumentos e a modificar nomes de logradouros públicos que homenageavam personagens históricos do comunismo.
Em 2019, o Tribunal Constitucional, ao ratificar a lei que iguala o comunismo ao nazismo – cuja transgressão prevê pena de até cinco anos de prisão para indivíduos e fechamento de organizações, cujos responsáveis podem ser encancerados por até dez anos -, pontuou que “o regime comunista, como o regime nazista, infligiu danos irreparáveis aos direitos humanos porque durante sua existência exerceu total controle sobre a sociedade e perseguições e repressões politicamente motivadas, violou suas obrigações internacionais e suas próprias constituições e leis”.
“A rejeição ao comunismo é natural, por ser uma das experiências mais nefastas da história da humanidade. Mas não se trata de uma simples rejeição ao comunismo, e sim com relação a todos os totalitarismos. A lei de 2015 não é apenas uma rejeição ao comunismo, mas uma equiparação da manifestação de ideias comunistas às nazistas. Ou seja, é um rechaço ao totalitarismo em si, independentemente da figura política que ele assuma”, afirma Eduardo Saldanha, especialista em relações internacionais e professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O analista acrescenta, porém, que a experiência com o comunismo evidentemente contribuiu para a intensa rejeição ucraniana ao comunismo.
“A Ucrânia sofreu muito durante o comunismo, me arrisco a dizer que sofreu muito mais com o comunismo do que com o nazismo. O rechaço às manifestações nazistas já existia, mas o que me surpreende é que tenha demorado a se dar o mesmo tratamento ao comunismo. Não podemos esquecer o Holodomor”, justifica, numa referência ao desastroso programa de reorganização da agricultura nos estados soviéticos que matou entre 2 milhões e 12 milhões de ucranianos de fome entre 1932 e 1933.
Leis vieram após agressões russas à soberania ucraniana
As leis anticomunista e de reconhecimento a grupos antissoviéticos foram aprovadas um ano após a anexação da península da Crimeia pela Rússia e do início da guerra em Donbass, onde grupos separatistas apoiados pelos russos declararam duas repúblicas independentes.
À época, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia criticou as leis, alegando que elas “correspondem às ideias distorcidas que estão sendo propagadas pelas autoridades em exercício na Ucrânia” e que serviriam para “introduzir métodos totalitários para liquidar partidos inadequados”.
Além disso, Moscou alegou que reconhecer os grupos antissoviéticos do período da Segunda Guerra Mundial seria uma homenagem a “colaboradores nazistas”.
Saldanha acredita que em parte as leis de 2015 foram uma resposta à agressão à soberania ucraniana deflagrada pela Rússia no ano anterior, mas que a demora para a Ucrânia editar uma legislação anticomunista, mais de 20 anos após o fim da União Soviética, também tem a ver com uma “lembrança do sistema soviético, um saudosismo” minoritário, mas ainda presente na Europa oriental.
“Dentro da própria Ucrânia, de Belarus, da Geórgia, em toda aquela região, ainda existe um ideário comunista muito forte, muito presente, ao contrário do que aconteceu com o nazismo, que foi basicamente exterminado como ideário, a não ser por alguns grupos sem qualquer conexão com a realidade. O comunismo ainda é uma ideologia aplicada em alguns lugares do mundo e tida por alguns como uma esperança”, explica o professor.
Gazeta do Povo
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